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#66

Rio de Janeiro, 10 de julho de 2011

Carlos,

Já não sei que remédio tomar. Antes os remédios rosados me ajudavam a te esquecer. Não esquecer de fato porque eu nunca te esqueci absolutamente, mas ajudavam a acalmar os ânimos da memória e desfaziam um pouco desse nó que trago no estômago. Os remédios brancos, com uma risca no meio, serviam para afrouxar um pouco a corda que laça o meu coração, mas que as vezes laça tão forte que não ele não consegue bater e eu começo a ter problemas para respirar.

Pensei que, como já não fazem efeito, não custa nada parar de tomar todas essas pílulas que me servem de colação entre o café da manhã e o almoço. Quando almoço. Já passei por vários distúrbios alimentares, dizem os médicos. Não sei precisar bem que fase estou vivendo agora. Passou a ansiedade descontada nos doces, principalmente chocolates que Alice me trazia, por vezes escondido. Passou também as horas vomitando no banheiro. Doces nunca me fizeram muito bem. Hoje me satisfaço com meu café preto, sem açúcar. Não há contrastes em meus sabores. Saboreio o café como saboreio a própria vida. Rascante.

Gosto dessa palavra: Rascante. Não tanto quanto do seu nome, mas... Quem há de comparar você com o resto? Não eu. Certamente não eu. Se foi você o grande culpado da minha vida - miserável vida. Tanto dos momentos felizes quanto desses que agora vivo. Dizem que não devo te culpar. Dizem que não devo transferir pra ninguém uma responsabilidade que é minha. Pro inferno com essa responsabilidade. Eu sei que no fundo até você sabe que é o responsável. Quem mandou se aproximar de mim, me ter ao seu lado, fazer juras recheadas de "para sempres" e partir, assim. Batendo a porta como quem vai a feira.

Pro inferno. Pro inferno. Pro inferno. Eu só queria poder desatar esses nós que me prendem. Deitar na minha cama e voltar alguns anos no tempo. Naquele tempo em que construí todas as memórias felizes que me assombram nas madrugadas e nos dias de sol ou de chuva. Naquele tempo em que não haviam cicatrizes tão profundas nem dores tão lacerantes. Quando tudo parecia simples e a morte era o meu maior medo, não maior desejo.

Há dores piores que a morte. Eu nunca acreditei muito nisso, mas agora que sou só pedaços, eu entendo. Quero apenas deitar meus restos em algum canto, qualquer canto. Quero voltar ao pó. Eu já sou pó, Carlos. Eu já não vivo em mim desde aquele fatídico dia. Eu não vivo mais nesses restos. Faça com que eles me deixem ir.

Olívia.

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