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#87

Rio de Janeiro,  16 de março de 2012

Carlos,

Me sinto aprisionada nesse pedaço de tempo que não passa. Sei que preciso sair, voltar a superfície e respirar, mas há algo que me puxa pra baixo e me segura pelos pés. Sinto como se não adiantasse me debater. Como se quanto mais eu me debatesse, mais apertado ficasse. Às vezes sinto que tudo o que tenho de fazer é relaxar, fechar os olhos e me deixar ir pro fundo. Descer lentamente. Até quase adormecer nos braços do que me aprisiona.

Aprendi a conviver com a dor, como se convive com uma velha amiga que perdeu a lucidez. Só me resta aprender que essa dor faz parte de mim, mas não me incapacita. Você pensa que eu sou louca, não pensa? Todos pensam... Se eu não fosse eu e fosse outra, provavelmente pensaria também. Uma mulher com 36 anos e que nem faz as unhas... Sabia que eu não faço mais as unhas? São elas que me alimentam em dias em que eu sinto fome de você. Às vezes a fome é tão voraz que meus dedos sangram. Pequenas gotas de sangue salgado. Você tem gosto de sangue salgado.

Esses dias Alice falou comigo que ela e Fátima pensaram em me levar a uma igreja ou a um centro espírita. Chega a ser engraçado como até a mais ateia das pessoas busca solução na fé quando não encontra nada palpável a que se agarrar. Não sou assim. Nem todo o sincretismo religioso dessa terra me faria crer que eu posso adorar algo ou alguém mais do que adoro a ti. Quando disse isso a Alice, ela se assustou. Teve medo que me exorcizassem ou algo assim. Ainda existem exorcismos? Talvez tu sejas um demônio ou talvez seja eu.

Mas... não tenho fé. Nem falo aqui só da fé em algo superior. Falo da fé nas coisas da vida. Não tenho fé. Já não espero melhorar. Já não espero que você volte. Já não espero respostas pra essas cartas mal escritas. Não tenho fé que te amo, nem sequer que te amei um dia. O amor não deveria ser assim, tão sujo, tão porco. O amor deveria fazer as unhas e pentear os cabelos. O amor deveria iluminar os caminhos, não pesar sob minhas costas a ponto de não me deixar dar mais um passo.

Não me vejo mais como essas pessoas que acordam pela manhã, tomam seu café, vão trabalhar. Lembra de como eu me estressava com as coisas do trabalho? Lembra de como tudo aquilo me aborrecia? Esses dias me peguei pensando nisso: Quantas vezes você reclamou dizendo que eu não me preocupava contigo, que só meu trabalho importava pra mim. Hoje eu só me importo contigo, mas tu não estás mais aqui. Irônico. Perturbador. Infeliz. Assim como eu.

Olívia


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#36

Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2009

Carlos,

Hoje encontrei minha aliança. Não achei que a tivesse mais, mas também não sei porque achei que não tivesse. Olhando pra ela, agora, ao lado da folha de papel, já não é uma aliança, mas um pedaço de metal sem valor. Pensei em atirá-la pela janela, mas o remorso provavelmente me consumiria por longo tempo. Já bastam meus próprios remorsos, aqueles que cultivo com tanto cuidado. Não, não pense que estou fazendo drama. Não estou. Não quero que sinta pena de mim. Eu só quero que você entenda que esse pedaço de história que hoje está jogado em minha escrivaninha, confunde meus sentimentos.

Lembro do dia em que você me deu, eu abri a caixinha e fiquei sem saber que reação ter. Um misto de terror e surpresa invadiram meu corpo. Fiquei pálida, fria, ao menos você disse que fiquei assim. Não sabia se devia tirar o anel da caixinha e colocá-lo no dedo. Não sabia se deveria responder qualquer coisa. Naquele momento, eu só não queria que a minha vida mudasse; Não é irônico? Quando você partiu, eu também não queria que minha vida mudasse, mas em um sentido tão oposto...

Talvez o problema seja esse. Talvez sejam as mudanças.Não gosto de mudanças. Nunca gostei, mas desde que você partiu, uma mudança é a única coisa pela qual anseio. Poderia me habituar novamente a vida sem você. Afinal, ninguém passa a apenas existir assim em um corpo sem vida só porque terminou um relacionamento - ao menos é o que todos dizem e, apesar de você não falar, é o que eu sei que você também pensa - mas todos os dias, ao acordar, penso que tenho o dia inteiro pra fazer o que eu quiser, mas a única coisa que tenho vontade é de pensar em você.

E as horas vão passando como se não passassem. Como se eu estivesse presa a uma falha do tempo que me deixa nesse lapso sem vim. De repente passou da hora do almoço, da hora do banho. De repente passou da hora. Já é noite. Hora de dormir. E acordar na mesma rotina. A eterna rotina de viver pra lembrar que um dia eu vivi por você. A rotina de viver pra saber que nunca mais viverei por nada ou ninguém. Quantas vezes me peguei pensando no que eu faria se ouvisse o barulho da porta e fosse você virando a chave, entrando, segurando minha mão e dizendo que as coisas se resolveriam. Daí eu olho ao redor, pra esse caos em que se transformaram os meus dias e percebo que você não vai chegar. Eu não vou ouvir nunca mais o som do seu chaveiro batendo na chave, dando duas voltas na fechadura e seu 'Boa noite, amor'. Não há mais amor na noite.

Talvez seja por isso esse apego às pequenas coisas. Ao anel com seu nome gravado, com o símbolo de infinito. Talvez eu devesse ter aprendido que nada é infinito, só essa dor.

Olívia

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