RSS

#32

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2009

Carlos,

Voltei a trabalhar hoje. As pessoas acham que eu devo retomar a minha vida. Foi estranho chegar ao escritório. Os mesmos rostos, mas não os mesmos olhares. Alice acha que eu estou exagerando, mas eu senti um desconforto. Senti como se todos reparassem em cada movimento meu. Tenho dó daquelas pessoas. Sei que você pode achar que eu sou (mais) louca, que todos devem sentir pena de mim, mas... eu já cheguei ao fundo do poço e daqui eu não caio mais.

Tenho pena deles. Cavam seus próprios buracos. Acordam de manhã, colocam sua máscara, seu salto alto, seu terno com vincos impecáveis, mas suas mãos estão sujas. Garanto que nenhum dali passaria por uma análise mais criteriosa. Nenhum. Duvido que algum seja minimamente feliz.

Fiquei pensando se ainda sofrem com os mesmos problemas.Lembra da Magali? Te falei dela. É secretária do Jorge. Um exemplo da moral e dos bons costumes que me olha com aquele olhar de dó, mas que deixa o marido e as duas filhas para frequentar motéis baratos com o chefe. Todo mundo sabe, todo mundo finge não saber. Tudo é tão hipócrita.

O Carlos Eduardo, aquele que era apaixonado por mim e de quem você até tinha ciúmes, lembra? Nem me olhou. Na verdade, me olhou, mas de soslaio. Quase achei graça. Passei a ser uma mulher que inspirava respeito e admiração pra uma de quem as pessoas sentem dó e até certo medo.

A verdade é que, além da pena que eu mesma nutro por essas pessoas, tem também um pouco de inveja. Fico pensando que se eu fosse uma delas, poderia mudar. No fundo eu sei que de nada adianta pensamentos como esse. Eu já fui uma dessas pessoas e não fiz nada. Talvez, se eu tivesse um exemplo como o meu... Não sei. O problema é que elas olham pra mim e não se enxergam. Elas veem a minha dor, mas não mudam. Como se fossem todos imunes a todos os problemas do mundo.

Não consegui ficar até a hora do almoço. Levantei, peguei minha bolsa e saí. Pensei em dar uma volta pela praia, mas quando me vi, estava dentro do elevador. Me senti segura em casa, quando fechei o trinco. O telefone tocou a tarde inteira, mas não atendi. Certamente não era você, era? Não vou voltar pra aquele lugar. Vou me assumir como alguém quebrado e sem conserto. Não quero mais vestir máscaras, pentear o cabelo e usar roupas pra fingir ser algo que eu não sou.

Eu sou destroços. Destroços de mim. Eu sou o que sobrou de mim mesma. E isso basta.

Olívia.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário