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#69

Rio  de Janeiro, 22 de julho de 2011

Carlos,

Rasguei a última carta. Nada do que eu escrevia parecia sério. A essa altura, já sinto como se a minha história fosse um grande clichê que não merecesse vida. Cada palavro que traço torta leva embora um pedaço do que eu sou e quão ridículo isso pode ser aos olhos daqueles que nunca sofreram?

Eu sofro, Carlos, mas ninguém entende. Dizem que tenho que seguir com minha vida, que tenho de tomar meus remédios regularmente e pagar minhas contas em dia. Ninguém se importa realmente. Querem apenas que eu continue cumprindo o meu papel na sociedade e quando eu digo que quero que a sociedade se acabe em sua própria lama, me olham como se eu dissesse um absurdo.
Absurdo, Carlos, é viver sem ter motivo. É acordar sem querer levantar e ir dormir com a esperança de que o amanhã nunca chegue.

Voltei para casa. Não queriam me deixar voltar, mas expliquei que me sinto melhor aqui. Que a crise havia passado, que não voltaria a praticar nenhum ato de desespero. Você e eu sabemos que não se trata de um ato de desespero, mas de desesperança. É difícil fazê-los enxergar, então me calo ou, se não calo, finjo concordar. Não achei que fosse capaz de tanta dissimulação, mas precisava voltar aos meus lençóis, os teus lençóis... Aqueles que guardam a lembrança eterna do último sonho que sonhei contigo.

Tive medo. Ao abrir a porta, imaginei que Alice pudesse ter vindo aqui e jogado fora tudo o que restou de ti, mas as coisas ainda estavam em seu lugar. A desordem em seus mínimos detalhes. O porta retratos que fica sobre o aparador da sala, permanecia virado. Por cima dele, uma filha de papel com um número de telefone que não lembro mais de quem é.

Cada pedaço desse apartamento carrega um pouco de ti e, se não posso mesmo partir, quero quedar-me aqui. Ser consumida lentamente por essas memórias, ser devorada por esses sentimentos de cuja beleza já até esqueci. Quero padecer. Quero padecer no que sobrou de ti. Do pouco que restou de ti. Tão pouco tu podes, inclusive, seguir com tua seguir sem eles, enquanto eu, não posso sequer pensar em respirar sem eles.

Ah, essas paredes brancas são como as de um hospício. Além delas não há vida, não há despertar, não há recomeços. Dentro delas também não. Essas paredes encerram em si toda a esperança porque não há esperança longe de ti, Carlos.

Se pudesse fazer um último pedido: Que me permitam escrever pra ti até que a última gota de sofrimento transborde em meu coração já ferido e que essa onda de dor que se espalha por meu corpo faça com que eu sinta o arrepio derradeiro na certeza de que vou pra um lugar distante, um lugar em que eu não precise existir.

Olívia

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