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#31

Rio de Janeiro, 27 de setembro de 2009

Carlos,

Já passa das três da manhã e não consigo dormir. Estou tentando não abusar dos comprimidos, mesmo porque, quando os tomo, tenho que me abster do vinho... mas nessa noite, de insônia insistente, já tomei dois, com duas taças de vinho e continuo aqui.

Pensei em escrever pra ti. Às vezes sinto como se meu coração estivesse se afogando, imerso em sentimentos densos que não o permitem bater e bombear o sangue. Estou apática desde a sua partida. Acho que é essa a palavra. Lembro, como se fosse hoje, de você arrumando as malas enquanto eu estava sentada na cama, folheando uma revista dessas que tem mais fotos que textos. Sem achar que você seria capaz. Não lembrava quantas vezes havia presenciado a mesma cena: Você, dobrando suas roupas, colocando dentro de uma sacola de viagem. Nós dois mudos, esperando o momento em que começaríamos a chorar e faríamos as pazes na cama, como era de praxe.

Naquele dia, ninguém chorou. Talvez por ser uma noite de verão. Dias de verão não são muito melancólicas. Confesso que, enquanto você arrumava as malas, eu planejava a viagem para o fim de semana seguinte. Não chorei. Sabia que era mais uma guerra psicológica para saber quem cedia primeiro, quem demonstraria fraqueza e eu não fui fraca. Permaneci inerte, folheando a revista e até me interessei por um sapato, pensei que poderia usá-lo no final de semana. Cheguei a comprar o sapato enquanto conferia se havia uma ligação sua no dia seguinte. Nada.

As horas foram passando e não havia nenhuma ligação sua. Cheguei a ligar para mim mesma para saber se meu celular não estava com defeito. Desde que havia te conhecido, nunca passei um dia sem falar com você e, quando finalmente completou o ciclo das vinte e quatro horas, percebi que alguma coisa estava errada. Que era minha vez de dar o braço a torcer. Lembro que liguei para o seu celular algumas centenas de vezes, perdi a conta de quantas, sempre desligado. Liguei para sua casa, seus amigos, sua mãe... Ninguém sabia de você. A preocupação virou desespero e, quando dei por mim, entrei em estado de choque.

Não conseguia falar, comer, dormir, expressar qualquer reação... O telefone tocou lá pelas tantas e senti meu coração disparar, mas não era você. A Fátima queria saber como eu estava, mas eu não poderia falar, nem se eu quisesse. Há sentimentos que apenas o silêncio expressa, outros, no entanto, se confundem e se acumulam tanto que nos dão a nítida sensação de que se não falarmos, eles vão se tornar maiores que nós e, de repente, eu me vi gritando. Um grito visceral, seco, cru.

Nem preciso dizer que a Fátima chegou a minha casa em menos de dez minutos e ainda não entendo como ela fugiu do tráfego intenso da Rua Jardim Botânico àquela hora da tarde, mas ela acabou me levando ao hospital, não esbocei qualquer reação e dormi após uma injeção na veia de diazepan.

Acordar no dia seguinte foi doloroso. Continuava esperando ligações que nunca vinham até que, três dias depois, um e-mail seu com uma frase: estou bem, preciso de um tempo, não me procure.
Poderia dizer que fiquei mais tranquila ao saber que você estava bem, mas a verdade é que eu preferia que estivesses morto. Morto como eu estava, como ainda estou. Acordado às quatro da manhã para me escrever cartas. Cartas que gritam de saudades de ti.

Olívia

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