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#49

Rio de Janeiro, 14 de março de 2010

Carlos,

Ontem foi seu aniversário. Não pense que esqueci. Eu nunca esqueço. Só estive indisposta e não pude me levantar da cama para te escrever. Pensei em te ligar, mas lembrei que você disse para não nos falarmos mais ao telefone, que não te fazia bem e, longe de mim te fazer mal logo no dia do seu aniversário.

Mesmo na cama, pensei o dia todo em você. O que estaria fazendo nesse dia que sempre foi tão importante para nós dois? Lembrei do seu aniversário de 38 anos em que fomos para um chalé em Itaipava. Lembra de como choveu? Passamos muito tempo trancados no quarto, bebendo vinho, ouvindo o crepitar da lareira... Vinícius tocando na nossa antiga vitrola. Dormimos aninhados no tapete de pele de carneiro, envoltos em vários edredons.

Lembro de você me acordando no meio da noite, beijando meu pescoço, sua mão quente tocando meu corpo, da respiração sôfrega, dos arrepios, dos espasmos... Lembro de ter deixado cair o resto de vinho das taças em nossas roupas que já estavam jogadas no lado direito, próximas do pé da cama. Do seu hálito rascante como o vinho que bebemos e da sua barba mal feita que arrepiavam os pelos da minha nuca quando passavam pelas minhas coxas. Lembro do seu gosto de mar, de mel, de fel, do seu gosto de meu.

Do tempo em que passamos suados apenas olhando as fendas da madeira do teto. Era impressionante a nossa comunicação não verbal. Tantos casais passam tanto tempo discutindo e nunca chegam a qualquer conclusão, nós nos entendíamos com um olhar, um toque ou mesmo pela intensidade da respiração. Nos entendíamos como se fossemos um. Como se sempre fossemos só nós dois, completando nossas frases ou verbalizando pensamentos um do outro.

Não foi só a minha alma que sentiu falta da sua, ontem. Senti falta do teu corpo, do teu peito, da forma como teu abraço me engolia. Do cheiro forte do teu suor, dos teus cabelos pretos que já iam ganhando aquele degradê prateado e te davam um ar de homem feito que quase entrava em contraste com teus olhos  castanhos, quase amarelados que revelavam o menino cheio de esperanças e ilusões que você era. 

Ontem, mais que de você, senti falta do amor. Desses amores que enchem os dias de vida e a vida de sentido. Senti falta de mim mesma. Das longas conversas que só faziam sentido pra nós dois, das idas ao cinema para assistir filmes europeus, do café forte que tomávamos nas manhãs de domingo. Senti falta das manhãs de domingo. Quem mais sente falta das manhãs de domingo?

Feliz aniversário,

Olívia

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