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#68

Rio de Janeiro, 17 de julho de 2011

Oi, Carlos,

Estou escrevendo pra dizer que ainda não estou em casa, mas estou bem. Confesso que estava receosa de vir para esse lugar, mas aqui é agradável, tem muito verde, aquele cheiro de terra molhada, sabe? e me sinto até melhor. A Alice contou que você ligou, que estava preocupado... E eu achando que você nem lembrava de mim. Só não entendo o porquê de você ter ligado pra ela e não pra mim.

Ao contrário do que você possa pensar, não fiz isso para chamar sua atenção. Não vejo a vida como algo tão sagrado assim. Há tempos deixei de acreditar em qualquer força superior, qualquer Deus, que seja. Acredito que devemos viver enquanto há um motivo pra isso e, sinceramente, não vejo mais motivo na minha existência. Tenho conversado com algumas pessoas daqui que insistem em dizer que esse é um pensamento depressivo, mas não acredito que seja. Acredito que todos estão vivendo de uma forma tão alienada que não percebem o quão vazia e dispensável é sua própria vida. Tenho vivido para as cartas... As cartas que te escrevo. Escrevo porque sei que tu me entendes, mesmo sem nunca me responder.

Não é fácil ver a vida dessa forma, eu sei.. Voltaire já dizia que se Deus não existisse, precisaria ser inventado (ou qualquer coisa desse gênero). As pessoas normais precisam de esperança. Acordar todos os dias, repetir as mesmas ações... Dormir para acordar, acordar para dormir e achar que há algum sentido oculto. Estou farta. Não há sentidos ocultos, tu sabes bem. Quero adormecer em um sono profundo e sem sonhos. Meus sonhos não são mais os mesmos e perturbam minhas noites. 

E sabe como eu pensei nisso? Fátima me ligou esses dias. Disse que eu deveria sair, encontrar alguma coisa para ocupar meus dias, mandou eu pensar em qualquer coisa que gosto e eu respondi que gosto de escrever as cartas. Ela disse que isso não basta para uma vida. Quando desliguei, fiquei pensando: Se a única coisa que gosto de fazer não basta... Prefiro adormecer em um sono profundo, envolta em memórias de um passado tão remoto que quase me fazem acreditar em outra vida. Não é possível que eu tenha vivido todas essas memórias... E qualquer cheiro, música ou data, qualquer mínima coisa que as fazem ressurgir de algum canto obscuro e empoeirado de meu cérebro, tentando iluminar com cores vivas e vibrantes esses meus dias cinzas, me causam náusea. Essas cores me cegam, me enjoam. O som das gargalhadas ecoam em meus ouvidos. Tento pará-los, mas é tão difícil...

Talvez os comprimidos que tomei a mais tenha sido uma forma de tentar parar essas memórias. Alias, pra que temos memória? Talvez eu conseguisse ter esperança se não tivesse todas essas memórias que dançam na frente de meus olhos e me mostram que o clímax da minha história já aconteceu.Que agora eu devo encontrar alguma ocupação para matar o tempo enquanto o tempo me mata. Não quero depender do tempo para isso. O tempo... Algumas pessoas superestimam o poder dele. Sempre me disseram que o tempo faria tudo passar, mas não faz. O tempo não cicatrizou minhas feridas. Minha ferida continua aberta, sangrando, pulsante, latejante.  Minha ferida continua tão escancarada que faz com que as outras pessoas tenham pena ao olhar pra mim. 

Você acha mesmo que eu mereço vivendo uma vida medíocre, despertando piedade, se eu posso dormir e deixar nossas memórias?

Olívia

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1 comentários:

Suzana disse...

Acho que eu tenho probleminhas, pq cartas depressivas são mais belas aos meus olhos, rs.

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