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#52

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2010

Carlos,

Hoje me lembrei de você, mais uma vez. Sai de casa e enquanto fechava a porta olhei para o apartamento, quase que de soslaio percebi que a porta do banheiro estava aberta e a toalha pendurada. Eu detestava aquela toalha pendurada que sempre caía quando eu fechava a porta e você ignorava meus protestos e seguia lendo alguma revista, deitado na cama.

Enquanto girava a chave na fechadura, pude me lembrar da forma como você se deitava para ler: uma mão segurando a revista, outra por baixo da cabeça e a perna esquerda levemente dobrada.

Mas, como dizia... Hoje saí. Me atrevi a dar uma volta pela praia, pra olhar o mar. Dizem que é bom, não dizem? Nunca tive muita paciência para passar longos períodos, parada, contemplando o que quer que seja. Ah, a contemplação não era pra mim. Preferia o barulho ao silêncio, falar a ouvir. Você sabe bem (sim, eu sempre parto do pressuposto de que você ainda se lembra dos meus trejeitos e, às vezes, até fantasio que sinta falta de alguns). Desculpa interromper a narrativa com minhas próprias lembranças ou impressões, mas percebo que, nesse ponto, escrevo mais pra mim que pra você.

Enquanto eu caminhava pelas ruas de Copacabana – e não me pergunte por que escolhi Copacabana – eu percebi o barulho, talvez pela primeira vez. Estive, por tanto tempo, acostumada a essa movimentação, com o barulho que as pessoas fazem ao caminhar, com as conversas em voz alta ao telefone, o motor dos carros... Eu percebi que elas não conseguiam ouvir o barulho que vinha de mim. Fiquei pensando se não sou só eu que ouço o som dos meus cacos batendo. Não que eu quisesse que outras pessoas ouvissem, ao contrário. Senti, inclusive, certa paz de espírito ao perceber que ninguém se importava com minha própria dor.

Confesso que olhava para os rostos das pessoas, com seus sorrisos superficiais, sua pressa habitual e ficava tentando ouvir o som de seus próprios cacos batendo. Era quase uma solidão compartilhada. Talvez eu tenha me mantido reclusa por tanto tempo por pensar que a minha falta estivesse estampada em meu rosto, como uma marca, uma cicatriz que me distinguisse dos demais. Era só ego...

Quase me esqueci da praia olhando as pessoas. Observá-las ainda é melhor que interagir. Ainda não tenho coragem (ou seria vontade?) de interagir. Talvez, a partir de hoje, da primeira parede quebrada, eu consiga quebrar outras, talvez não... Talvez seja só como o sol tímido da manhã chuvosa que volta a se esconder por trás das nuvens.

Há tempos não tenho notícias suas. Espero que estejas bem.

Um abraço,

Olívia

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