Rio de Janeiro, 30 de
dezembro de 2009
Olá, Carlos!
Tem recebido as minhas cartas?
Não recebo respostas suas.
O ano está terminando. Apesar de
tudo, acho que 2009 foi um bom ano. Gosto de anos ímpares. Lembrei agora da sua
fascinação pelo número 36. Não sei o porquê, só lembrei. Passei o Natal em casa. Nunca gostei de
Natal, daquelas reuniões familiares. Um das minhas irmãs me ligou, queria que
fosse até Curitiba, mas eu não quis. Prefiro ficar aqui, tomando um corton-charlemagne. Passei a me interessar mais por vinhos. Sempre gostei, você sabe.
A Fátima me ligou esses dias,
disse que eu devia voltar à terapia. A terapia não funciona bem comigo, como te
disse. Não me agrada contar minha vida a uma pessoa que sequer conheço e que
recebe para ouvir meus problemas. De qualquer forma, ela me contou que você
encontrou um novo amor e, inclusive está planejando ter filhos. Filhos! Veja
só! Você que nunca gostou de crianças. Como as coisas mudam, não?
Não consigo te imaginar ainda com
outra família, pegando o carro, levando as crianças para o colégio, indo a
praia no fim de semana e viajando pra Disney nas férias. Não combina com a
imagem que tenho de você, sempre ocupado, lendo seus livros, ouvindo seus
discos e fumando seu charuto. Será que parou de fumar charutos? Acho que não
combina com essa nova imagem de pai de família. Imagem que criei, é verdade.
Fico pensando que minha vida é
uma realidade inventada. Tem um trecho que um livro da Clarice que diz assim: “Não
quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer
sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.” De que livro era mesmo? Água
viva? Deve ser... Há tanto não leio Clarice... Mas, como dizia, vivo em uma
realidade inventada. Meus pensamentos criam histórias e situações e por vezes
nem sei o que foi ou não real. Não é estranho?
Esses dias mesmo liguei pra Alice
pra saber como estava o meu sobrinho, o Matheus. Lembra do Matheus? Pois então,
eu tinha certeza que ele tinha ficado reprovado na escola e que ela mesma tinha
me dito isso. Lembrava com detalhes da ligação, mas ela garantiu que nunca
havia me dito que ele ficou reprovado, mas apenas que estava tendo dificuldades
com o português. Que ele estava bem, já indo para o quarto ano – não me
pergunte o que significa isso, na minha época essas nomenclaturas eram
diferentes.
Me senti velha agora, depois de
dizer ‘na minha época’. Talvez eu esteja velha. Já reparou que as pessoas não
envelhecem ao mesmo tempo? Nesses dias a Alice mesmo veio me visitar. Aquelas
reclamações de sempre de que eu devia sair e recontratar a empregada e eu
percebi que o tempo estava sendo mais suave com ela. Como se ela estivesse
envelhecendo mais lentamente. Você também deve estar envelhecendo mais
lentamente.
Ah, feliz ano novo!
Olívia
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