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#98


Rio de Janeiro, 20 de maio de 2012

Oi, Carlos,

Estou escrevendo porque hoje eu te vi. Juro que vi. Não foi como das outras vezes que achei que tivesse te visto, mas eram só os outros rostos. Não estou mais na fase de querer te ver em qualquer homem. Quase nem sinto tua falta. Não fossem as noites de outono ou as tardes de verão, mal me lembraria de ti.

Mas eu te vi. Sentado em um banco em Copacabana, na altura da Santa Clara, de costas para o mar. Tua bicicleta estava do lado e você parecia falar ao celular. Eu estava do outro lado da rua, mas te reconheci. Teus cabelos estão mais brancos, tua barriga mais saliente, mas ainda lembro do teu peito. Eu nunca esqueceria os pelos do teu peito.

Fiquei ali, do outro lado da rua, te olhando por longos minutos, mas não saberia dizer quantos. Sei que escurecia, mas não era noite. Acho que as nuvens encobriram o sol por alguns momentos. E você ali, sentado, falando ao telefone... Uma cena tão comum e tão fascinante aos meus olhos. 

Confesso que não soube o que sentir quando te vi. Em alguns momentos, queria que você percebesse minha presença, largasse o celular, a bicicleta, atravessasse a Avenida Atlântica como quem tem urgência, me tomasse nos braços e me sufocasse com um beijo intenso e lento misturado com lágrimas de nunca te esqueci. Ao final do beijo, me daria um abraço daqueles em que se sente cada osso do corpo, perderia a fala por alguns momentos e eu poderia sentir o teu cheiro, o cheiro que dorme em minhas narinas. Durante o abraço, eu ouviria teu coração dizer meu nome e não seriam preciso palavras pra demonstrar que eu sou o grande amor da tua vida. Em outros momentos, no entanto, tinha medo que me visse. Sentia meu coração acelerar ao pensar que você poderia me ver, ir em minha direção, gritar comigo, dizer para que eu te deixe em paz, te deixe seguir com tua vida, que eu preciso de um tratamento... Todas aquelas coisas que você já cansou de repetir, anos atrás. Ou pior, notar a minha presença, subir na bicicleta e sumir dali. Como se eu não fosse mais importante. Como se eu já não existisse.

Você não me viu. Tenho certeza que não viu. Terminou sua conversa ao celular e quase senti inveja da pessoa que falava contigo sobre um assunto que eu nem sei qual é. Poderia ser a outra que hoje partilha sua cama, discutindo sobre o que você queria para o jantar. Poderia ser tua mãe, te cobrando uma visita que você sempre posterga. Poderia ser alguém do trabalho falando sobre a escala de férias... Queria poder ouvir tua voz uma vez mais. Teu suspiro, tão característico.

Você não me viu. Desligou o telefone, subiu na bicicleta e seguiu em direção ao Leme. Continuei parada, te vendo partir, de novo. De repente percebi que eu não estava mais ali, parada, naquele lugar. Milhares de cacos de mim estavam pela rua, sendo levados pelo vento. Tratei de lembrar que não lembro mais de ti. Que não sinto mais tua falta. Voltei a sentir meu corpo, mas posso jurar que alguns cacos se perderam. Talvez tenham sido levados a praia. Talvez alguns tenham te seguido até o teu novo lar e nesse momento, estejam repousados em teu peito, inseridos tão perfeitamente em tua pele que não sairão mais. Talvez eu nunca mais seja inteira.

Olívia.

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