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#77

Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2011

Carlos,

Eu gosto do seu nome. Vez por outra fico repetindo seu nome, de frente pro espelho, atenta aos meus lábios. Repito vagarosamente, quase saboreando cada movimento. Quando a boca se abre e se fecha em duas sílabas tão simples que formam um nome tão comum... Às vezes me pergunto como alguém de nome Carlos poderia descompassar minha vida e mudar a rotação do meu mundo. Como alguém de nome Carlos me fez parar em um pedaço de tempo, agarrada em uns poucos trapos velhos de espaço. Como alguém de nome Carlos tem o poder de me fazer enlouquecer.

Esses dias procurei o significado de seu nome. Lavrador. Não sei se é muito confiável, mas... vá lá. Lavrador. Esbocei um sorriso. Tentei repetir a palavra de frente pro espelho, mas parei e vi meus olhos. Fiquei um tempo olhando para os meus olhos. Você já fez isso? Era estranho olhar para o que me olha e ver o que vi. Meus olhos não são mais os mesmos. Cheguei a tocá-los para ter certeza de que eram mesmo meus, mas até agora ainda não tenho certeza. Não tenho certeza se esses olhos são meus ou se os olhos dos quais me lembro nunca  foram da forma como via.

Não sou mais bonita, Carlos. Nem quando falo seu nome. Nem quando falo vagarosamente o seu nome. Meus olhos ganharam um tom meio cinza e a pele em volta deles não tem mais o mesmo viço. Viço... Jamais pensei que escreveria essa palavra em uma carta, mas também, jamais pensei que pudesse escrever tantas cartas. Viço me lembra a minha avó. Cartas também me lembram dela. Não serei como ela, não tenho sua força.

Carlos, Carlos... o Natal está chegando. Não consigo deixar de lembrar de nossos Natais em família, em volta da árvore. Até as brigas do seu pai com o meu pai sobre futebol me deixam nostálgica. Daria qualquer coisa pra voltar àquele Natal em que você derramou o vinho no meu vestido branco e eu fiquei sem falar com você até o ano novo. Eu teria feito diferente. Acho que tenho me deixado contagiar com a melancolia das luzes de Natal. Não gosto de sair de casa nessa época. Se bem que, em que época gosto de sair de casa? Até as consultas que realizo na Estrada da Gávea toda quarta-feira me são exaustivas. Ainda não entendo porque as pessoas não respeitam o fato do mundo não fazer mais sentido pra mim. Se eu não tenho vontade de viver e se essa vontade se arrasta por anos, devo eu continuar vivendo? Chamaram-me egoísta, mas será que sou eu mesma a egoísta?

Essa época do ano me enjoa. E eu sinto vontade de dormir um sono profundo. Não gosto de encarar a piedade nos olhos dos outros. Mal consigo encarar meus próprios olhos. Olhos me desconcertam. E eu estou cansada.

Feliz Natal.

Olívia

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1 comentários:

Suzana disse...

que linda essa.

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